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O Melhor vai para o Museu

Era final da década de 50, diversas nações desenvolvidas da época desejam desenvolver um avançado projeto de transporte aéreo de passageiros supersônico. No entanto, muitas barreiras tecnológicas tinham que ser superadas o que envolvia custos extremamente altos. Ou seja, sem união entre as partes interessadas seria impossível levantar recursos e obter sucesso com a ideia. A partir do consórcio formado por British Aircraft Corporation (inglesa) e Aérospatiale (francesa) em 1962, iniciou-se o projeto da aeronave que foi o emblema de uma geração: o Concorde. Inicialmente, todas grandes companhias aéreas fizeram pedidos depositando confiança que ali estava a vanguarda do transporte. Em seu lançamento comercial oficial, em 1976, a realidade já era muito diferente, apenas duas empresas confirmaram as aquisições e assim durante toda vida operacional do Concorde somente elas voaram com este avião.

Sob uma perspectiva tecnológica e de benefício de produto, o Concorde era inigualável. État de l’art em termos de engenharia aeronáutica, capaz de decolar pela manhã em Heathrow e chegar antes do horário de partida no JFK em New York, graças ao fuso horário e à velocidade de mais de 2 vezes a do som. Não havia termos de comparação com os aviões convencionais, proporcionando uma vantagem de reduzir distâncias e tempos de forma radical. Basta analisar que os aviões a jato de hoje voam a velocidades semelhantes daqueles da década 60, ou seja, nenhuma evolução nesse sentido em 50 anos de história. Isso poderia garantir um caminho sem adversários para o melhor da categoria? Nem tanto. Nesse caso a superioridade absoluta pouco adiantou. Hoje o Concorde é apenas um ícone na memória dos apaixonados por aviação, aposentado dos ares desde 2003. Para quem quiser conhecê-lo de perto, inclusive o lendário Concorde 001, é preciso visitar um velho hangar em Le Bourget, aeroporto na perigosa periferia parisiense que abriga o Musée de l’air et de l’espace.

A pergunta que permanece no ar (sem trocadilhos) é como um projeto cujo serviço apresentava tantos diferenciais únicos pode fracassar? Vários fatores desde o início minaram a pista de decolagem do Concorde. Como anteriormente citado, os custos de desenvolvimento e fabricação foram o primeiro obstáculo. Quando do lançamento, nos anos 70, o mundo havia mudado, o choque do petróleo e a crise consequente afastaram muitos compradores, assim como o acidente com seu adversário Tupolev colocou dúvidas sobre a confiabilidade dos voos supersônicos. Além disso, os norte-americanos, alijados da tecnologia e dos seus lucros, utilizaram leis ambientais para restringir a operação em seus aeroportos, o que eliminava inicialmente as linhas mais lucrativas entre Europa e EUA. Tanto que a rota inaugural do Concorde foi Paris – Rio de Janeiro, com escala em Dakar no Senegal. Comprar um ticket aéreo para o Concorde acabou tornando-se restritivo em demasia, um sinal de status para poucos viajantes, o que economicamente reduzia a viabilidade da sua operação. O acidente fatal em julho de 2000 e os atentados terroristas de 2001 que novamente mudaram o cenário das companhias aéreas resultou no fim definitivo da operação supersônica com o Concorde.

A vantagem comparativa por si só não garante sustentabilidade a um produto, serviço ou marca. É necessário observar quais variáveis do ambiente podem afetar o mercado de competição. No caso do avião franco-britânico, a economia era adversa e os competidores reagiram com barreiras de entrada. Outro fator relevante, o fracasso de um concorrente direto pode ser ruim para um novo segmento de competição, pois não há formação de massa crítica suficiente para aceitação e consolidação da categoria. E para vencer no mercado, sobretudo, é preciso avaliar bem o que significa ser o melhor. Quem define isso já bem claramente declarou Michael Porter, é o seu cliente. Fazer o melhor no seu ponto de vista pode ser excessivo e seu cliente recusar-se a pagar o preço que custa. O mercado de aviação já pendeu para o lado da sofisticação e de baixa acessibilidade, extremo no qual o Concorde foi o maior exemplo (assim como diversas companhias, caso de Air France e Varig), e nos últimos anos pendeu para o limite oposto, da ausência completa de serviço e do baixíssimo custo (caso de Southwest Airlines nos EUA ou EasyJet na Europa).

Há públicos para ambas propostas, premium ou low cost, e isto ocorre em diversos nichos de mercado. E não somente nos extremos opostos, pois é possível fazer combinação de propostas, enfatizando aspectos dos dois modelos, empacotando uma nova oferta única que encontre ressonância em outro segmento de consumidores. Exemplo que foi proporcionado pela JetBlue, ao oferecer televisão ao vivo a bordo sem abrir mão da baixas tarifas e facilidade de compra dos tickets. Novamente o caminho é compreender o que seu cliente valoriza na oferta e como sua empresa pode disponibilizar esses fatores da forma mais inteligente, sendo mais eficaz que os demais players. Assim começa a construção de uma marca superior, sempre atenta as variações de mercado que podem modificar as demandas. Mantendo o ouvido atento e interpretando os movimentos, o “melhor”, que pode estar no portfólio de sua empresa, diminui os riscos de terminar guardado em um velho museu. Aperte os cintos e olhe pela janela. E bons negócios!

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