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Milagreiros e vigaristas habitam nossas mentes

As grandes livrarias estão repletas de livros que prometem mostrar as receitas certas para construir empresas de sucesso. Como pratos elaborados da alta gastronomia, ingredientes e ações combinadas prometem dar mais sabor para sua marca. Transformar seu negócio em algo apetitoso para investidores e clientes. Todos os anos, milhares destes títulos são lançados, girando o mercado editorial, atraindo leitores, consagrando gurus e criando aura mágica em torno de alguns gestores.

As conclusões sobre a existência de talento ou não em um gestor são invariavelmente precipitadas. Existe uma ansiedade por saber de antemão a qualificação das pessoas e para isso julgamos o talento pelos resultados, mesmo que com amostragem ínfima. Sem qualquer critério estatístico, CEOs são taxados como “mão quente”. Basta passar a bola que cestas de 3 pontos virão em sequência. Muitas pessoas pensam saber prever eventos complexos, como a construção de marcas ou a ascensão de empresas bem sucedidas. Gente que sabia sobre os atentados de 11/9, a crise de 2008 ou a farsa em torno de Eike Batista. O erro está em dizer que “sabiam”, pois não é possível “saber” de algo antes, a não ser que esteja envolvido no ato. As pessoas pensam sobre uma série de coisas e depois reforçam dizendo que sua intuição ou premonição os havia alertado.

Gostamos de formar estórias de sucesso em nossa mente. Torna-se fácil para as pessoas escreverem um roteiro quando conhecem o final feliz. Assim encaixamos uma série de peças para fazerem sentido positivo. Aquelas que não se encaixam no quebra-cabeça da narrativa, jogamos fora. O prêmio Nobel Daniel Kahneman cita o caso do Google, estrela em dezenas de livros de gestão e branding. As histórias sobre o sucesso do Google praticamente não ensinam nada aos outros casos. Tudo é uma ilusão, interessante e cativante é verdade, mas pouco prática. O que fez o Google ser o Google é o conjunto de milhares de eventos que poderiam facilmente ter causado um desfecho diferente. Exageramos o papel do talento e desconsideramos o fator sorte. Achamos que a história das marcas e suas empresas bilionárias pode ser comparada a um atleta de canoagem enfrentando corredeiras e obstáculos. No entanto, há uma grande diferença, o canoísta já desceu centenas de vezes o trajeto, aprendendo a antecipar obstáculos. Houve sim capacidade na história do Google, mas a sorte desempenhou um papel mais decisivo na realidade do que nas páginas dos livros.

Estatisticamente a correlação entre sucesso da empresa e a qualidade do seu CEO é um coeficiente que pode chegar a 0,30. Este fraco índice implica que em um mundo de competição, um CEO mais qualificado lidera uma empresa mais bem sucedida em 60% dos casos (em 40% deles ele estará com uma empresa enfraquecida frente aos concorrentes). Em uma situação de aleatoriedade, a relação seria de 50/50, assim um CEO mais competente acaba por influenciar o desempenho em apenas 10 pontos percentuais. Isto desmonta boa parte do mundo de gestão que queremos acreditar. Da mesma forma, os citados livros de gestão que apresentam as receitas corporativas como regras gastronômicas. A prova dos equívocos nas “teses” o tempo acaba por mostrar. Como Kahneman cita de exemplo, achar que Reagan acabou com a Guerra Fria é um pensamento simples e inconsistente.

Há um desejo de ver o mundo mais previsível do que ele de fato é. Acreditamos cegamente em planejamento, mesmo que estaticamente haja exemplos de sua ineficácia e falta de precisão. Partem de hipóteses superotimistas e deveriam ser melhorados ao comparar com casos semelhantes. Desejamos ver milagreiros em ação, salvando empresas ou times de futebol, criando marcas ou liderando uma nação. Cada vez que assim pensamos, montamos novamente uma armadilha. Pode terminar com uma história fantástica de sucesso contada por todos em livros e palestras, mas com pouco fundamento de realidade, pois só pegaremos as peças que fecham com o quebra-cabeças. Ou pode terminar com um fracasso completo, no qual resgataremos essas mesmas peças que foram jogadas fora, justificando que já sabíamos que ali estava sempre um vigarista. De um jeito ou de outro, seguiremos presos em um quadro falso. E nossa mente nos enganou mais uma vez.

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