Os últimos artigos trouxeram uma onda de provocações no sentido de encontrarmos quais limites podemos alcançar. Limites profissionais, mas muito além disso, o que queremos fazer com nossas vidas. Pode ser a época de final de ano, propícia para reavaliações, decisões e sonhos. Ou a mudança de estação. Shakespeare já escrevia que talvez somente as noites de verão fossem de sonhos. No entanto o que interessava mesmo não eram as noites, mas os sonhos que sonhamos sempre, dormindo ou acordado. E assim vou contar três histórias verdadeiras, de pessoas que se conhecem há quase 20 anos e que em 2010 tiveram experiências que fizeram refletir sobre qual caminho seguir. Também usaram um pouco a teoria da maratonista Paula Radcliffe sobre as cinco bolas. Todos nós fazemos diariamente malabarismo com elas: saúde, família, amigos, integridade e carreira. No entanto, apenas a bola da carreira é de borracha, as demais são frágeis. Assim, podemos arriscar muito mais com ela, jogar alto e também deixá-la cair, ao contrário das outras que podem ser danificadas para sempre. Vamos às histórias:
História 1
Trabalhando alguns anos em uma empresa brasileira referência no segmento metalúrgico, um profissional extremamente competente e dedicado vive um momento único na carreira. O cargo possibilita ampla visibilidade e uma formação invejável de networking, afora a participação em um programa interessante de bonificação. O ritmo de trabalho é intenso e a cobrança também. Mas havia uma novidade no ar. A necessidade eminente de transferência para outro estado o que envolvia uma mudança nada desejada. Cada dia que passava encurtava o momento de decisão, aumentando o nível de tensão das partes. Chegando ao ponto de não retorno, esse profissional declina de tudo, sabendo dos riscos envolvidos, mas prefere ficar desempregado a aceitar algo que não traria satisfação. Cinco meses depois está novamente trabalhando, em outra grande empresa, referência em seu segmento de atuação.
História 2
Uma grande empresa multinacional enfrentava uma série de problemas que faziam com que seus resultados não fossem alcançados. O nível de pressão era absurdamente alto e os horários de trabalho meramente referência, já que dias e noites emendavam-se. Nesse ambiente caótico, um profissional tenta atender a expectativa de desempenho. Mas por mais que tenha esforço, a virada depende de outros fatores, muitos dos quais distantes de suas mãos. No entanto, sofre como todos a consequência da má performance. O salário a cada mês, mesmo que interessante, tem menor importância diante do stress diário a que é submetido. Saúde e família são diretamente prejudicadas. É a senha para o momento de saltar, abandonando as algemas da remuneração por maior qualidade de vida. Como aquela velha história, não adianta hipotecarmos nossa saúde por dinheiro, pois ali na frente entregaremos todo ele de volta na tentativa de resgatar a saúde perdida.
História 3
Um profissional é contratado por uma empresa de consultoria que tem um grande projeto para ele. Uma preparação de longo prazo, que trará grandes resultados para ambas as partes. Tudo vai bem até que por decisões equivocadas a empresa não cresce como almejava fazer. Os projetos são sempre os mesmos, com pouca renovação de clientes. Nas vésperas do Natal passado, esse profissional recebe a notícia de que seria retirado de praticamente todos os clientes que estavam ativos. A empresa havia decidido trocar consultores experientes por mão de obra mais barata (e com menor poder crítico). Mesmo atendendo apenas um cliente, esse profissional não deixou a empresa na mão. Até que um dia foi convidado pelo dono para um almoço. Talvez fosse o ponto da virada. E foi. Na ocasião foi solicitado que devolvesse as chaves do escritório e esvaziasse suas gavetas. No final, ainda ouviu um discurso patético sobre grandes projetos que supostamente o aguardavam em um futuro próximo. O fundo de uma espiral descendente de confiança.
O que todas essas histórias mostram? Primeiro, por mais que em certos momentos possamos ter a ilusão de que o ambiente é previsível, não é. Mas a falta de previsibilidade que pode ser ruim aos olhos de alguns, nos abre a segunda revelação: estamos no comando. A decisão final sempre caberá a nós próprios, até quando decidimos ficar inertes. E nesse contexto jamais podemos esquecer do título desse artigo, abrindo a terceira revelação. Devemos priorizar apenas o que e quem é importante. E esta classificação é muito pessoal. As respostas precisam ser encontradas dentro de cada um e podem variar bastante conforme o momento. Existe uma série de portas a serem abertas em nosso futuro, novos desafios, projetos, clientes, colegas, e tomara amigos. Tal qual aquela história de Kafka, algumas dessas portas foram feitas somente para nós e estão indefinidamente esperando serem abertas. Com todas as imperfeições e dúvidas tipicamente humanas, bem descritas pela poesia de Borges, precisamos buscá-las em 2011. Sucesso a nós todos!
Do que nada se sabe – Jorge Luis Borges
A lua ignora que é tranquila e clara
e nem sequer sabe que é a lua;
a areia, que é a areia. Não há uma
coisa que saiba que sua forma é rara.
As peças de marfim são tão alheias
ao abstrato xadrez como à mão
que as guiam. O destino humano de tão
largas penas e de breves alegrias
talvez seja objeto de outro. Ignoramos;
dar-lhe nome de Deus não nos ajuda.
Vãos também são o medo, a dúvida
e a truncada súplica que iniciamos.
Que arco terá lançado esta seta
que sou? Que alvo pode ser a meta?
No Comments