Poucos meses atrás eclodiu uma revolta, bem verdade amplificada pelas mídias sociais, contra a marca Arezzo. O pecado: ter utilizado pele de animais exóticos em sua coleção. Ora nada mais politicamente incorreto nos dias de hoje. Não vamos nos deter neste caso específico ou nos seus desdobramentos. Mas pensar afinal porque raposas despertam nossos mais nobres sentimentos, mas outros nem sempre contam com a mesma generosidade. Por exemplo, o ser humano. Isto mesmo, nós. Questionamentos que devem ser feitos. Independente de modelos mentais. Parece óbvio que animais exóticos ou a beira da extinção devem ser preservados. Assim como nossos animais de estimação. Mas o que se esconde por detrás dessa cortina. Aquilo que não vemos (ou não queremos ver).
O papo da sustentabilidade está na moda. Papo, pois muito do que se ouve e se fala por aí não pode ser levado a sério depois da segunda linha. A regra que ainda vale é a do caixa. Como um paulista na mesa ao lado do restaurante disse com sotaque carregado: “Vamos falar do que interessa, vamos falar de dinheiro.” Em artigo recente, Marcello Serpa questionou o que é luxo nos dias de hoje. Em suas conclusões destacou que nossa sociedade atual valoriza crescimento e consumo como principais drives. Inclusive o caro é descartável, de vestidos, laptops, tablets a celulares e relógios. Tudo que você comprou no ano passado (às vezes no mês passado) está velho, ultrapassado e supérfluo. Uma louca corrida de novos lançamentos, deixando enormes amontoados de lixo de produtos descartados. Isso é a tal sustentabilidade?
O belo designed by Apple in California carrega também um assembled in China. Adequadamente escrito de forma posterior. Talvez porque montar alguma coisa na China não carregue nenhum glamour e também não empreste qualquer valor ao produto. Apenas ajuda a aumentar os lucros na última linha dos balanços da Apple. E claro, da Foxconn, gigante conglomerado que opera como fabricante para a empresa norte-americana. Conhecida mundialmente pela maneira medieval de gestão, com diversos casos de castigos físicos, suicídios e outros crimes em suas fábricas repletas de centenas de milhares e milhares de jovens chinesas. Mas isto está distante de nós, do outro lado do planeta. Graças a Deus (e a nós que consumimos) que esse monte de gente tem trabalho e salário, capaz de comprar a comida no final do mês. São pobres chinas e talvez mereçam isso mesmo. Infelizmente, como mostrado em diversos estudos, temos uma propensão inconsciente a julgar negativamente os que se encontram no lado mais desfavorecido da sociedade. No final não sentimos nenhuma culpa. ‘Não fabricamos a arma, apenas apertamos o gatilho.’
Certo dia, em uma das tantas aulas de Branding, um aluno perguntou, com algum desconforto. Para ele parecia que o negócio das marcas tinha algo de mal por trás. Uma espécie de força oculta de dominação construindo falsa realidade. Possível ‘escravidão’, seja para os consumidores quanto para os produtores. Em algum lugar do mundo, Naomi Klein deve ter sorrido. Sua bandeira ativista e bem fundamentada, traduzida no livro Sem Logo expunha cruamente algumas mazelas da sociedade do consumo e do império das marcas. Alguns anos atrás, Olavo Setubal, barão do capitalismo nacional, mostrava-se preocupado com diversas vozes surgidas nas cercanias de encontros do G-8, OMC e Banco Mundial. As primeiras pedras da fortaleza do Consenso Fabricado, desmascarado por Noam Chomsky, começaram a cair e ser jogadas contra vitrines do Citi e do McDonald’s ao redor do globo. O ativismo tomou diversas formas e bandeiras, passando pelos defensores das baleias até os que querem a volta de um mundo sem marcas.
Adbusters e seu combate à manipulação das marcas. Greenpeace e a defesa do ambiente. Wikileaks e a bandeira da verdade. Organizações que dão voz aos inconformados e que com formas inteligentes, sobretudo usando dos mesmos artifícios do branding, buscam um espaço na mente dos seus públicos. Jogam com a mesma arma dos inimigos. Em diálogo do filme The Edukators é lembrado que um dos grandes escudos da sociedade do consumo é empacotar e pendurar na arara qualquer símbolo da contracultura, como a moda da ocasião. Parece que de algum modo o outro lado passou a fazer o mesmo. Assunto amplo, mas que em algum modo e momento deve despertar nossa reflexão e ação na direção do que acreditamos. Muito mais que apenas tuitar por raposas mortas.
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