A notícia não sai das manchetes dos jornais. Um jovem funcionário norte-americano, a serviço dos mais aparelhados órgãos de informação do mundo, entre eles a NSA e a CIA, resolve abrir os segredos pelos quais deveria zelar. Expõem ao mundo o que o governo faz com seus cidadãos em nome da segurança dos próprios. E agora, como consequência dos seus atos, irá receber o tratamento judicial reservado aos traidores.
Ok, mas o que isso tem a ver com você? Talvez um detalhe por trás desse episódio. Por mais nobre e midiático que seja o fato de contar aos jornais tudo que se sabe, antes dessa decisão, veio o desejo de parar com tudo. Rasgar juramentos, eliminar sigilos e ignorar por completo as regras do jogo da espionagem. Este processo anterior pode ter consumido dias, meses, talvez anos da vida deste jovem.
Em algum momento da trajetória profissional, em uma manhã qualquer ou em um final de tarde cansativo, a ideia de desistir pode aparecer. Talvez de forma sorrateira, gradual e que ao longo do tempo toma forma suficiente para se tornar praticamente impossível demovê-la de seu lugar. Alguns continuam, colocam o monstro em uma jaula e pensam tê-lo domado. Invariavelmente usam o dinheiro como forma de adestramento.
Henry Miller disse certa vez que o dinheiro é uma desculpa muito fraca para justificar nossos atos, sejam pessoais ou profissionais. Ele prometia oferecer todo dinheiro do mundo e perguntar novamente a um vendedor porque ele oferecia aquelas coisas. Ninguém precisa fazer nada por dinheiro. Todo sujeito que se recusa a agir apenas guiado pela necessidade de ganhar a vida, quebra mais um dente do processo automático da sociedade.
Agentes de inteligência, estudantes universitários, empresários, publicitários. Quantos acordam pela manhã ouvindo conversas que não deveriam ouvir, estudando matérias que não queriam passar perto, gerindo negócios que não acreditam nem um pouco, vendendo marcas que não deveriam ser vendidas? Muitos. Quantos irão despertar para traírem o automatismo de suas vidas? Poucos. Possivelmente sintoma do receio de uma sentença cruel, talvez semelhante a que espera o agente que revelou os segredos da espionagem. Sabe lá. Fato é que continuarão vivendo em total sintonia com a falsa necessidade de fazer o que não tem que fazer.
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