O sucesso absoluto talvez possa ser medido quando um negócio já não pertence mais ao seu criador. Sua marca, de tanta intimidade e identificação com o público, passa a ser dele. Não é mais sua. Muitos tentam chegar nesse estágio máximo. Poucos triunfam. Talvez porque fórmulas prontas e enlatadas em livros de gestão não possam trazer à tona todos os mistérios dessa construção. Tal qual os relacionamentos humanos, não temos respostas para tudo. Porque amamos, odiamos, rejeitamos e choramos. Quando essas marcas caem em nosso coração, não saem de nossa cabeça. Nas salas de aula de administração, os cases de algumas são repetidos à exaustão, Apple, Harley-Davidson, Coca-Cola. Mas não precisamos ir tão longe, algumas podem estar bem mais próximas e ligadas a nossa realidade. Vou propositalmente dividir o texto em três partes, com objetivo de olhar o lado do negócio, da teoria e do cliente.
Vamos ao exemplo, Grão Brasil Café, cafeteria localizada em Novo Hamburgo (RS). Entender como alguns aspectos ajudaram a compor seu caminho de negócio e marca.
PARTE 01 – O NEGÓCIO (o que o empreendedor define)
– Produtos diferenciados: desenvolver sanduíches e pratos com características que fogem do padrão comum de cafeterias, adotando uma linha autoral. Utilizar ingredientes mais sofisticados (presunto cru, champignon, filet mignon), manter um aspecto de mais saudável (ou menos prejudicial) ao conceito corrente de lanches rápidos. Agregar poucos pratos, mas com caráter de únicos e inusitados (salmão, camarão, lagosta, bacalhau).
– Atendimento: surpreender com um tratamento próximo, descontraído e pouco formal. As pessoas são essenciais para que os clientes sintam-se em casa, confortáveis e com vontade de voltar diversas vezes mais.
– Ambiente: explorar algo conhecido como marketing da descoberta. Um lugar um pouco escondido, mas que guarda segredos e que somente iniciados tem acesso. E quem tem o conhecimento e a senha para encontrá-lo é brindado com um local que serve como descompressão da confusão diária, quase como uma segunda casa.
PARTE 02 – A TEORIA (como os pesquisadores explicam)
As pessoas atraídas pela proposta envolvem-se com a marca e sentem empatia pela sua personalidade. Em recente artigo escrito por Traci H. Freling (University of Texas), Jody L. Crosno (West Virginia University), e David H. Henard (North Carolina State University) foram identificados 3 aspectos centrais que contribuem para o apelo de personalidade de marca:
– Favorabilidade: quanto positivamente os clientes enxergam a marca.
– Originalidade: se os clientes percebem a personalidade da marca inovadora e distinta dos competidores.
– Clareza: na medida em que a personalidade de uma marca é reconhecível para os consumidores.
Os três são importantes, mas após uma série de testes qualitativos e quantitativos, a favorabilidade foi a que teve impacto mais direto para impulsionar a compra, seguida pela originalidade e clareza. Ou seja, a percepção positiva da personalidade da marca tem maior força para criar a lealdade dos clientes.
PARTE 03 – O CLIENTE (o que sentimos)
Não sentimos apenas separadamente as partes do negócio (produto, atendimento e ambiente). Consumimos a experiência. Entendemos a personalidade de forma menos matemática. Nos identificamos com o espírito da marca. Quando você imagina o Starbucks como referência em lugar cool, o Grão Brasil encaixa-se dentro do mesmo conceito, mas com mais apelo. Autêntico e sem a plastificação artificial de toda franquia. Servindo bebidas verdadeiras além do café (cerveja, whisky, champagne, por exemplo) e com uma leitura distante da caretice politicamente correta da rede norte-americana.
A marca já pertencia aos seus clientes. Não mais ao seu criador. Sim, pertencia. Infelizmente, por motivos que não cabem neste post, esta marca encerra-se. Escrevo imediatamente após a última vez que aproveitei os sanduíches, os cafés especiais, as cervejas geladas do Grão Brasil. Mas terminou. Em clima melancólico. Levei um cardápio e uma foto. E me despedi dos vivos. A porta atrás de mim bateu, com a placa “fechado” dependurada. Ficou o vazio do nunca mais. De algo que era um pouco meu, mas que perdi para sempre.
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